Eu não vou valorizar seus abraços, tua mão na minha, teus olhares.
Proíbo-me de procurar sentimentos escondidos nos seus gestos involuntários. Vou
ignorar teus movimentos, teus comentários inoportunos e tuas brincadeiras despreocupadas.
Não vou ler mais nas entrelinhas, fiquei presa a elas por muito tempo, até
perceber que não passava de uma prisão, uma quimera. Percebi que tudo o que eu
tinha de você eram os meus devaneios, era um mundo abstrato. Depositei meu
afeto a tuas ações despretensiosas e admirei qualidades em você que eu mesma
inventei. Acreditei nos sonhos que sonhei acordada e não percebi que a
realidade era como é. Eu que achei já ter passado a ingenuidade, invulnerável a
ilusão, caí nas armadilhas da minha própria mente. Criei um mundo ao seu redor,
te montei de meus amores, de meus vícios, de tudo o que você não é. É fácil
quando se observa de longe, quando se perde em pensamentos, mas quando você
sente a gravidade, quando um simples toque te atrai ao chão, quando firmamento
e plenitude se unem e te arrastam de volta, você percebe o quão tênue é a linha
que divide o seu mundo do universo ao redor. Então, você me arrastou de volta,
com esse teu olhar inexpressivo, desprovido de sentimentos. Eu renuncio a esse
labirinto mental, onde todas as rotas deságuam em você. Não te vejo mais, não
te ouço, não te sinto. Te apago assim do nada. Se te construí apenas com a
consciência, te destruo, te elimino do meu mundo e ocupo a cabeça com café e
blues. E se o meu coração resolver reclamar uso o simples argumento de que o
meu você não existe, e que o teu você, o de verdade, não me interessa. Não que
isso seja verdade, mas se eu já me convenci uma vez, por que não funcionaria de
novo?
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